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SOLDADOS DA BARROCHA

 

Enquanto armas e canhões ecoavam nas trincheiras europeias durante a Segunda Guerra Mundial, um exército de retirantes protagonizava um silencioso esforço de guerra na Amazônia para alimentar a indústria bélica americana e, assim, assegurar a vitória dos aliados em 1945.

 

Eram os chamados soldados da borracha, homens recrutados, em sua maioria, no Nordeste brasileiro para trabalhar nos seringais da região amazônica, fornecendo aos Estados Unidos o insumo necessário para pneus e armamentos.

 

Estima-se que, durante o conflito, cerca de 50 mil trabalhadores tenham sido arregimentados pelo Estado brasileiro com esse fim. Quase a metade — aproximadamente 20 mil— foi dizimada nos seringais durante o conflito, devido a doenças e péssimas condições de trabalho. Setenta anos depois do fim da guerra, apenas um décimo ainda está vivo e luta para equiparar seus direitos aos dos ex- combatentes que foram enviados para o front.

 

— Ao chegar à Amazônia, os nordestinos perceberam que todas as garantias que lhes haviam prometido inexistiam. Com o rompimento desse contrato (de trabalho), eles não tinham a quem recorrer. Não havia Justiça Trabalhista na Amazônia. E ainda hoje eles reivindicam seus direitos — afirma o historiador e especialista em direito do trabalho Francisco Pereira Costa, que defendeu uma tese de doutorado na USP sobre os soldados da borracha.

 

O ingresso da Amazônia na Segunda Guerra se dá a partir da ocupação pelos japoneses da base militar americana de Pearl Harbor, no Havaí, em 1941, o que acabou levando à suspensão do fornecimento da borracha produzida no Sudeste da Ásia para os americanos. O Brasil, que experimentava um declínio do ciclo da borracha, passa a ser visto como alternativa de suprimento. Mas havia poucos seringueiros ativos. É nesse contexto que o governo de Getúlio Vargas inicia, em 1943, uma campanha para recrutar homens dispostos a se aventurar nos seringais da Amazônia em troca de promessas de enriquecimento rápido.

 

José Romão, de 92 anos, foi um dos recrutados. Deixou sua cidade natal, Parnaíba (PI), em 1943 e viajou de trem e navio até Manaus com mais 47 homens. Tinha apenas 20 anos e um sonho de proporcionar uma vida melhor para os pais e os três irmãos. Ao chegar na floresta, deparou-se com uma realidade bem diferente da que lhe haviam prometido. Dormia em barracas de palha improvisadas na mata e trabalhava horas a fio todos os dias para colher o látex

 

Recebia uma pequena quantia em dinheiro pela produção do dia, mas esta era insuficiente para comprar produtos básicos para sua subsistência no chamado “barracão”, ponto de venda de alimentos e itens de higiene pessoal mantido pelo dono do seringal. Em pouco tempo estava endividado e não tinha permissão para deixar o seringal enquanto não quitasse sua dívida.

 

— Era um regime de escravidão. A gente levantava cedo e caía na mata para cortar a madeira. E toda a produção era consumida na compra de mercadoria — recorda Romão. — A maioria morria de doença. Não tinha remédio, só remédio caseiro feito com planta da floresta. Depois de poucos meses, só 18 tinham sobrevivido no meu grupo.

 

Com o fim da guerra e o novo declínio da indústria da borracha, Romão buscou trabalho no comércio. Em 1981, mudou-se para Rondônia para receber um lote de terra que o governo brasileiro estava distribuindo aos ex- soldados da borracha. Buscou reconstruir sua vida ao lado de uma nova mulher e iniciou um movimento para buscar indenização junto ao Estado para os sobreviventes dos seringais e seus parentes.

 

À frente do Sindicato dos Soldados da Borracha, denunciou o governo brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2013 por negligência. A pressão política deu resultado.

 

Em agosto de 2014, foi aprovada no Congresso Nacional emenda constitucional que garantiu aos ex- soldados indenização de R$ 25 mil, pagos em março deste ano. De acordo com o Ministério da Previdência, 11.896 pessoas receberam a indenização, incluindo ex-seringueiros (5.110) e dependentes. Romão ainda não se deu por satisfeito. Uma ação no Supremo Tribunal Federal reivindica indenização de R$ 800 mil.

 

Paralelamente, o sindicato prepara uma ação para equiparar os benefícios dos soldados da borracha aos de ex- combatentes de guerra, com o argumento de que o decreto que estabeleceu as bases para a atividade seringueira na época do Estado Novo considerou que “a produção da borracha é essencial ao esforço de guerra e à defesa militar do país” e que os soldados da borracha têm status militar.

 

A Constituição de 1988 assegurou aos soldados da borracha benefício de dois salários mínimos mensais. Hoje, o valor médio do benefício pago pela Previdência é de R$ 1.551. Já o valor médio pago a ex- combatentes é de R$ 3.607.

 

Fonte: O Globo

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